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Maior presença de negros no país reflete reconhecimento racial

população brasileira está tendo mais orgulho em se reconhecer mais “escurecida”. Essa é uma constatação de especialistas ouvidos pela Agência Brasil após os mais recentes resultados do Censo 2022, que revelaram que 55,5% da população se identifica como preta ou parda. 

O levantamento divulgado na sexta-feira (22) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que os pardos são 45,3% da população e superaram a quantidade de brancos pela primeira vez desde 1872, quando foi realizado o primeiro recenseamento do país. Além disso, a proporção de pretos mais que dobrou entre 1991 e 2022, alcançando 10,2% da população.

O IBGE explica que a mudança no perfil étnico-racial do país não reflete apenas a questão demográfica, ou seja, nascimento ou morte de pessoas, mas também outros fenômenos sociais.

“Essas variações têm a ver com a percepção. Cor ou raça é uma percepção que as pessoas têm de si mesmas. Tem a ver com contexto socioeconômicos, contextos das relações interraciais”, disse o pesquisador Leonardo Athias.

Reconhecimento

Brasília (DF) 21/12/2023 –Censo 2022 Por cor ou Raça. Arte Agência Brasil
Arte Agência Brasil

Para a historiadora Wania Sant’Anna, conselheira do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdade Raciais (Cedra), o Brasil passa por “um momento de reconhecimento de pertencimento étnico-racial no terreno da negritude e da afrodescendência”.

Segundo ela, o resultado consolida uma trajetória que já vinha desde o recenseamento de 1991 e que “não tem volta”.

“O que comprova isso [reconhecimento com a afrodescendência] é essa mudança expressiva dos pretos, que mais que dobraram entre os anos 80 e os dias atuais”, aponta Wania, que também é presidente de governança do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e integrante da Coalizão Negra por Direitos.

A pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Tatiana Dias Silva converge com a explicação de que não é apenas a questão demográfica que causou o aumento de negros na população.

“Tem alguns estudos da composição de componentes demográficos para identificar se tem mais taxa de natalidade e fecundidade da comunidade negra, e não conseguem justificar demograficamente essa mudança”, explica.

Brasília (DF) 24/12/2023 – Na foto Wania Sant'Anna - Censo 2022: maior presença de negros reflete reconhecimento racial Foto: Wania Sant'Anna/Arquivo Pessoal
Conselheira do Cedra Wania Sant’Anna – Foto: Arquivo Pessoal

Debates

Wania Sant’Anna cita dois grandes fatores que explicam, na visão dela, o reconhecimento das pessoas com a negritude. Um são os debates públicos mais abertos sobre desigualdades raciais, racismo e preconceito.

“As pessoas são discriminadas por causa da sua cor. À medida que esse debate se torna público, os sujeitos pensam ‘isso poderia ter acontecido comigo porque essa é a minha cor, esse é o meu cabelo, esse é o meu território’. Então o debate sobre racismo tem contribuído muito”, avalia.

Outro fator, aponta Wania, são as manifestações culturais populares que falam sobre racismo, como música e literatura.

“A gente não pode esquecer o impacto que o hip-hop e o funk estão produzindo na população jovem e não tão jovem também. Esse debate fala de raça, racismo e cor de pele. Isso informa as pessoas. As pessoas não estão sendo informadas apenas pela branquitude”, disse.

O efeito dessa conscientização, acredita Wania Sant’Anna, aparece quando o recenseador pergunta às pessoas com qual raça se identificam.

A integrante da Coalizão Negra por Direitos ressalta que esses debates públicos não existiam com a mesma força décadas atrás.

Visão compartilhada com Tatiana, do Ipea. “A gente está tendo ao longo dessas últimas duas décadas muito mais discussão sobre a questão racial. Isso deixa de ser encarado como um tabu, e as pessoas falam sobre isso e acabam também se reconhecendo mais a partir das suas origens como negras”, diz a pesquisadora cedida ao Ministério da Igualdade Racial (MIR).

Cor e raça

Brasília (DF) 21/12/2023 – Distribuição da População Por cor Ou Raça. Arte Agência Brasil
Arte Agência Brasil

O IBGE explica que o Censo 2022 colhe as respostas com base na autodeclaração dos indivíduos. Além disso, utiliza o conceito de raça como categoria socialmente construída na interação social e não como conceito biológico. As classificações do instituto são branca, preta, parda, amarela (origem asiática) e indígena.

Apesar de o IBGE não agrupar oficialmente, ativistas e o Estatuto da Igualdade Racial consideram negros o conjunto de pessoas pretas e pardas.

Campanha em 1980

Os resultados vistos no Censo 2022 são, segundo Wania Sant’Anna, uma tendência também de uma campanha organizada no começo da década de 80, da qual ela foi uma das coordenadoras. Foi um chamamento público para as pessoas se reconhecerem com pretas ou pardas. “Sabíamos que tinha um problema na autodeclaração das pessoas”, lembra.

A campanha criou o lema “Não deixe sua cor passar em branco – Responda com bom c/senso”, fazendo ambiguidade com as palavras branco, censo e senso.

Vozes negras

A cofundadora e conselheira do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) Cida Bento interpreta os resultados do Censo 2022 com um encontro do Brasil.

“O crescimento de pretos e pardos tem a ver com o quanto o Brasil vai se encontrando consigo, como uma nação onde a presença negra, não branca, é grande em termos de fenótipo [características genéticas e proporcionadas pelo ambiente no qual se vive], de cultura, de religiosidade”.

Brasília (DF) 24/12/2023 – Na foto Cida Bneto - Censo 2022: maior presença de negros reflete reconhecimento racial Foto: Cida Bento/Arquivo Pessoal
Conselheira do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades Cida Bento – Foto: Arquivo Pessoal

Cida Bento considera ainda que houve uma ressignificação do que representa ser negro.

“Antes era [um significado] negativo e hoje vem associado a uma cultura plural, diversa, que acolhe outras. Agora é possível se reconhecer negro como uma coisa boa. A discussão disso tem vindo das vozes negras sacudindo a sociedade para olhar para aquilo que o país é”.

Outra ressignificação, segundo Cida, é entender que o branco contou com privilégios da colonização e escravidão e, por isso, ocupa atualmente os postos de mais destaques, melhores remunerações e com mais poderes.

“É um lugar não mais visto como mérito, mas como resultante de uma história de atos anti-humanitários”, diz.

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