Uma iniciativa da Prefeitura de Salvador, por meio da Secretaria Municipal da Educação (Smed), tem garantido que crianças, adolescentes, jovens e adultos mantenham sua formação escolar mesmo sem estarem presentes em sala de aula. A Escola Municipal Hospitalar e Domiciliar Irmã Dulce, localizada em Amaralina, fomenta a educação com profissionais que atuam em hospitais, clínicas, casas de apoio, residências e casas lares, prestando atendimento aos estudantes em processo de tratamento de saúde ou internamento hospitalar.
Com isso, é possível oportunizar um processo educativo que assegure o direito à vida e à saúde, estimulando a escolarização de todos, com redução do nível de atraso escolar. Hoje, atuam pela iniciativa 24 pedagogos, três professores de música, uma coordenadora pedagógica, além de uma vice-diretora e uma diretora. O trabalho é feito em dez hospitais, três clínicas, duas casas de apoio, três casas lares e 16 domicílios de residência. Hoje, a iniciativa conta com 214 alunos matriculados, mas o número de atendidos é muito maior.
De acordo com a vice-diretora Leyliane de Paula Vidal, que há 16 anos atua com educação hospitalar e domiciliar, o trabalho da Escola Hospitalar contribui para minimizar as defasagens escolares durante o período de hospitalização. “Damos continuidade ao currículo escolar do estudante. Sendo assim, ele pode, dentro de suas possibilidades e condições de saúde, ter o mesmo sucesso, aprovação e êxito em avaliações, assim como outros estudantes que estão continuamente na escola comum”, enfatizou.
Primeira vez na sala de aula – Na Escola Municipal Alto da Cachoeirinha Nelson Maleiro, no bairro do Cabula VI, em Narandiba, o garoto Vinícius Santana, de 10 anos, tem, pela primeira vez, a experiência de estudar em uma sala de aula. Aos três, ele chegou a assistir ao primeiro dia de aula, mas teve que se afastar em razão dos problemas de saúde. Com Síndrome de Loeys-Dietz do tipo quatro, o menino só conseguiu voltar à sala de aula graças a uma cirurgia inédita, realizada no ano passado, em que ele recebeu um marcapasso diafragmático para auxiliar na respiração sem necessidade do cilindro de oxigênio.
A diretora da Escola, Daniela Palma, conta que é a primeira vez que recebe um aluno oriundo da educação domiciliar. “No meu entendimento, a grande vantagem é minimizar o impacto sofrido por Vinícius em razão das limitações. Com o acesso a uma escola convencional, vamos fazer com que ele tenha uma vida mais sociável, interagindo com as outras crianças. Para mim, é uma alegria porque vemos a conquista que ele alcançou. Fora da cadeira de rodas, do balão de oxigênio, é uma vitória”, declarou.
A rotina da mãe do garoto, Patrícia Barbosa, começa ainda de madrugada, às 4h10. Com a ajuda do filho mais velho, Ícaro, de 23 anos, ela levanta, prepara as medicações de Vinícius e o acorda às 5h, para a primeira rodada de remédios em jejum, antes do café. Às 7h, eles vão para a escola, onde ficam até 11h30. “Quando voltamos, temos mais medicamentos, às 11h30, 14h, 16h, 18h, 22h e o último às 23h. São 22 medicamentos no total. Eu deito para descansar, porque 1h tem mais um remédio. É uma rotina cansativa, mas tudo por ele”, diz ela, que é profissional de enfermagem.
Patrícia conta que foram seis anos de escola domiciliar, e essa primeira experiência ainda a deixa um pouco assustada. “A escola nos recebeu de braços abertos, mas ficamos receosos. Ele é diferente, tem suas particularidades, mas fico tranquila pela receptividade. Vinícius possui outras complicações, como problemas endócrinos, cardíacos, neurológicos, tudo em razão da síndrome, por isso vivemos um dia de cada vez”, contou.
A mãe afirma que, com a evolução do quadro, ele precisou de ventilação mecânica e não tinha fôlego para caminhar, usando cadeira de rodas para se locomover. “Estou presente aqui todos os dias e vejo meu filho evoluir a cada dia, contando as novidades em casa, o que aconteceu, que tem vários professores, ele está descobrindo o mundo. Quando a escola hospitalar chegou lá em casa, o irmão disse: ele nunca vai ter festinha de escola. Mas ele teve! Festinha de aniversário, de São João e final de ano, e esse ano ele participou da primeira festa de Carnaval aqui, presencial”, afirmou Patrícia.
Animação – O pequeno Vinícius não esconde a animação em estudar em uma escola convencional, e relembra diversos momentos desta experiência. “Está muito bom, eu ainda estou aprendendo, mas a gente vai viver e sempre aprender. O que achei mais legal até agora foi o mini trio elétrico, que fiz até um projeto sobre ele. A festinha de Carnaval foi muito legal, comi pipoca com bolo de cenoura com cobertura de chocolate e chocolate granulado”, contou, animado.
Ele comentou que é muito melhor aprender na sala de aula, porque tem hoje os colegas de sala, e lembra dos cuidados com a saúde sem deixar de lado a diversão. “Eles brincam comigo, gosto muito de esconde-esconde, mas tomo cuidado com meu aparelho, que uso por 12 horas inteirinhas, pois ele me mantém vivo sem a ventilação mecânica (apontando para a bolsa que guarda a bateria do marcapasso)”, revelou o garoto, destacando seu gosto por matemática e ciências..
A professora Débora Medeiros, inclusive, se considera privilegiada em ter um aluno como Vinícius na turma do 5º ano. “Para falar a verdade, Vinícius já parece ser aluno daqui da escola há muito tempo. Ele é sociável, se dá bem, interage, participa, tem um interesse grande em aprender então, para mim, é um privilégio recebê-lo como meu aluno”, salientou.
Criação – A iniciativa foi criada em 2001, ainda com o nome de Classe Hospitalar e Domiciliar, através do Projeto Vida e Saúde, em parceria com o Hospital Santo Antônio das Obras Sociais Irmã Dulce. Em 2002, houve uma ampliação das aulas em vários hospitais e domicílios através do Programa Criança Viva.
Em 2011, o Programa Criança Viva e o Projeto Vida e Saúde passaram a ter um só nome: Classes Hospitalares e Domiciliares no município de Salvador. A partir de outubro de 2015, surge então a Escola Municipal Hospitalar e Domiciliar Irmã Dulce, com este nome em homenagem à Santa Dulce dos Pobres, por ser ela uma figura que se voltava para a educação e saúde.